O texto “A Sociedade
Punitiva” de Michel Foucault (1972-1973) instiga a reflexão sobre o poder
manifesto em forma de suplicio, morte, dominação e prisão ao longo dos tempos.
O tabu da desobediência levava as comunidades a punir o infrator, a
sacrificá-lo até com a vida em espetáculos horrorosos.
Inicialmente
abordam o regime penal da idade clássica e as quatro formas táticas punitivas.
A primeira consistia em exilar, rechaçar, banir, expulsar fora das fronteiras,
destruir o lar, apaga-lo do lugar de onde nasceu confiscando bens e a
propriedade. - Característica da Sociedade Grega. A segunda previa uma
compensação financeira pela qual o delito poderia ser convertido – Característica
da sociedade germânica que cobrava a pecúnia. A terceira dava o direito ao
credor de se apoderar do corpo do devedor e nele impor a sua marca artificial e
visível – típica da sociedade medieval. A quarta medida previa enclausurar,
característica da modernidade onde a masmorra e a torre não simbolizavam uma
punição, mas o espaço de espera para a morte.
Segundo
o autor, a detenção e o encarceramento não fazem parte do sistema penal europeu
antes das reformas dos anos 1780-1820. Para os juristas do século XVIII a
prisão não é uma pena conforme o nosso direito civil. As reclusões nos séculos
XVII e XVIII não integravam o sistema penal, consistem na prisão-fiança, uma
pratica exercida pela justiça durante a instrução de um caso criminal pelo
credor até o pagamento da dívida ou pelo poder real com medo do inimigo; na
prisão-substituto imposta aquele não passível de justiça criminal, o que
significava mais punição do que a pena.
E
Van Meenen no Segundo Congresso Penitenciário em Bruxelas relembrou o passado e
a existência das rodas de suplicio, forcas, cadafalsos e pelourinhos recobertos
por esqueletos estendidos. Remusat em 1831 aponta o novo sistema penal como o
encarceramento em todas as formas: o trabalho forçado era realizado numa
penitenciaria ao ar livre. Detenção, reclusão e o encarceramento correcional
mudavam apenas de nome, o castigo era o mesmo. Sofriam criticas, pois a
população considerava que a prisão impedia o poder judiciário de controlar e
verificar a aplicação das penas.
Ao misturar os condenados o sistema da época
fabricou um exercito de inimigos interiores. O abrigo, a comida e as roupas
atraiam os delinquentes; os hábitos e a infâmia marcam as pessoas à
criminalidade. A deportação-colonização a Austrália não substituiu a prisão.
Para isso fundaram as prisões, uma instituição capaz de fornecer os princípios
arquitetônicos, administrativos, pedagógicos de uma instituição que tivesse
condições de corrigi-los.
No
intuito de proteger a sociedade ao longo do tempo definiu-se o que era crime,
qual o papel da parte pública, a necessidade de punição. Para isso cada
sociedade modulou a escala de penas e a sua proporção impedindo que o crime
recomeçasse. Neste sentido, o criminoso era um inimigo interno da sociedade,
lesando-a no momento em que rompesse com o pacto social.
Surgem
modelos punitivos diferentes. Um articulado a infâmia, aos efeitos de opinião
publica. Uma medida que dispensava a legislação, servindo como código penal;
outro ao modelo de talião, impondo ao culpado o mesmo castigo e o terceiro
modelo manifestava-se como a escravização em benefício da sociedade, graduada
em intensidade e duração de acordo com o prejuízo.
A
prática da prisão não implicava na Teoria Penal. Livingston (1820) diz que a
pena de prisão tem a quadrupla vantagem de poder, divide-se em quantos forem os
níveis de gravidade dos delitos: impede a reincidência, permite a correção,
deve ser leve [,,,] “para que os jurados
não hesitem em aplicar a punição e permitir com que o povo não se revolte
contra a lei”. (p.35)
No
intuito de compreender o funcionamento real da prisão o autor retorna há
analise das instancias de controle parapenais onde a reclusão desempenha um
papel que tem três características: no século XIX fundou o panoptismo, a torre
de vigia que intervém na distribuição espacial dos indivíduos, como o encerramento
temporário dos mendigos e vagabundos impedindo-os de circular nas cidades;
sanciona um nível infra-penal a maneira da de viver dos sujeitos, modifica o
tipo do discurso, projetos ou intenções politicas, comportamento sexuais,
reação a autoridades, bravatas à opinião, violência, etc.. Intervindo menos em
nome da lei que da ordem e regularidade.
O
discurso está no biopoder moderno e a politica destacava que elementos como o
irregular, o agitado, o perigoso e o infame devem ser objeto da reclusão. Assim
podiam constatar que a penalidade pune a infração, enquanto a reclusão sanciona
a desordem. Deste modo no século XVII e XVIII os pais de família, pessoas da
comunidade solicitavam a “Lettres de cachets” contra indivíduos importunos,
servindo esta medida como um controle local.
Na
Inglaterra estas medidas eram incentivadas por dissidentes, que se propunham a
denunciar, excluir, sancionar indivíduos por desvio de conduta, recusa de
trabalho e desordens cotidianas. Na França ao contrário, o controle eram
ligadas ao aparelho do Estado que organizou a 1ª Policia da Europa.
Michel
Foucault constata-se que a manifestação da conduta ilegal se deve a falta de
esclarecimento a população. Os trabalhadores ganhavam pouco, muito não tinham
qualificação para trabalhar com as máquinas, eram vitimas constantes de crises,
alvo fácil dos endividamentos, levando-os ao absentenísmo, a quebrar o contrato
de trabalho, a migração e a vida irregular.
Para
resolver este problema, fixar os operários ao aparelho de produção, criaram
novos delitos. Neste sentido a carteira de trabalho passa a ser obrigatória, são
elaboradas novas leis, identificando os lugares onde podiam ser vendidas e
consumidas bebidas alcoólicas e proibiram as loterias. Deste modo inicia-se o
adestramento social, incentiva-se a caderneta de poupança, o casamento e a
formação das cidades operárias. Onde surgem os organismos de controle ou de
pressão (associações filantrópicas, patronatos) numa verdadeira campanha que
visava à organização e a moralização operária.
A penalidade
1760-1840 não liga a renovação da percepção moral. No tempo desaparecem os
delitos religiosos e surge o econômico profissional. A penalidade do século XIX
trata da historia dos corpos. A prisão substitui o suplicio, o corpo deve ser
utilizado no trabalho - forma-salario do trabalho. A transformação da pena faz
relações entre o poder politico e os corpos, o controle, a sujeição, o modo de
como são dobrados, fixados e transformados. Era preciso escrever a física do
poder sob uma nova ótica, tudo deveria ser visto transmitido, a organização de
uma policia com um sistema de arquivos.
A nova mecânica era capaz de isolar e agrupar,
utilizando a força como controle, obtendo a disciplina de vida no tempo e das
energias. Uma nova fisiologia define normas interventoras e corretoras. Assim no
Panoptismo, a disciplina e a normalização caracterizam a investida do poder
sobre os corpos no século XIX. Disso emerge o sujeito psicológico, suscetível
de aprendizado, de formação e de adestramento, lugar eventual de desvios
patológicos e de intervenções normalizadoras. Sendo o avesso do processo de
sujeição.
Nesta
física percebe-se que a prisão não corrige, instiga-os a fazer pressão sobre o
ilegalismo de três maneiras: conduz a infração ao jogo de exclusão e de sanções
parapenais – a indisciplina leva a guilhotina; integrando-os ao instrumentos do
ilegalismo; canalizando as infrações dos delinquentes aos que podem controlar –
porque pobre é mais fácil de ser roubado que rico.
Conclui-se
que a intenção de punir nasceu com o homem e foi se aprimorando ao longo dos
tempos, dando origem ao Direito Penal. A pena surgiu entre os
primitivos, fruto do resultado da desobediência ao grupo, dando origem aos
castigos, que aparecem como formas de vingança causada pela dor ao fato ocorrido até chegar ao
enclausuramento.
Percebe-se que estas formas de prisão não deram certo. Portanto torna-se necessário organizar novas propostas de inclusão social para estas pessoas na sociedade, de modo que tenha novas oportunidades e possam aprimorar-se como um ser humano de formas alternativas, interativas, inteligentes. Portanto, as críticas de que na prisão se constitui uma população de delinquentes é uma
fatalidade e até hoje esta não conseguiu corrigir ninguém. Conclui-se que as penas e as formas de punição devem ser repensadas, analisadas de acordo com o contexto, para que estas pessoas ainda possam participar de forma saudável.
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