sexta-feira, 9 de agosto de 2013

SOCIEDADE PUNITIVA

O texto “A Sociedade Punitiva” de Michel Foucault (1972-1973) instiga a reflexão sobre o poder manifesto em forma de suplicio, morte, dominação e prisão ao longo dos tempos. O tabu da desobediência levava as comunidades a punir o infrator, a sacrificá-lo até com a vida em espetáculos horrorosos.
Inicialmente abordam o regime penal da idade clássica e as quatro formas táticas punitivas. A primeira consistia em exilar, rechaçar, banir, expulsar fora das fronteiras, destruir o lar, apaga-lo do lugar de onde nasceu confiscando bens e a propriedade. - Característica da Sociedade Grega. A segunda previa uma compensação financeira pela qual o delito poderia ser convertido – Característica da sociedade germânica que cobrava a pecúnia. A terceira dava o direito ao credor de se apoderar do corpo do devedor e nele impor a sua marca artificial e visível – típica da sociedade medieval. A quarta medida previa enclausurar, característica da modernidade onde a masmorra e a torre não simbolizavam uma punição, mas o espaço de espera para a morte.
Segundo o autor, a detenção e o encarceramento não fazem parte do sistema penal europeu antes das reformas dos anos 1780-1820. Para os juristas do século XVIII a prisão não é uma pena conforme o nosso direito civil. As reclusões nos séculos XVII e XVIII não integravam o sistema penal, consistem na prisão-fiança, uma pratica exercida pela justiça durante a instrução de um caso criminal pelo credor até o pagamento da dívida ou pelo poder real com medo do inimigo; na prisão-substituto imposta aquele não passível de justiça criminal, o que significava mais punição do que a pena.
E Van Meenen no Segundo Congresso Penitenciário em Bruxelas relembrou o passado e a existência das rodas de suplicio, forcas, cadafalsos e pelourinhos recobertos por esqueletos estendidos. Remusat em 1831 aponta o novo sistema penal como o encarceramento em todas as formas: o trabalho forçado era realizado numa penitenciaria ao ar livre. Detenção, reclusão e o encarceramento correcional mudavam apenas de nome, o castigo era o mesmo. Sofriam criticas, pois a população considerava que a prisão impedia o poder judiciário de controlar e verificar a aplicação das penas.
 Ao misturar os condenados o sistema da época fabricou um exercito de inimigos interiores. O abrigo, a comida e as roupas atraiam os delinquentes; os hábitos e a infâmia marcam as pessoas à criminalidade. A deportação-colonização a Austrália não substituiu a prisão. Para isso fundaram as prisões, uma instituição capaz de fornecer os princípios arquitetônicos, administrativos, pedagógicos de uma instituição que tivesse condições de corrigi-los.
No intuito de proteger a sociedade ao longo do tempo definiu-se o que era crime, qual o papel da parte pública, a necessidade de punição. Para isso cada sociedade modulou a escala de penas e a sua proporção impedindo que o crime recomeçasse. Neste sentido, o criminoso era um inimigo interno da sociedade, lesando-a no momento em que rompesse com o pacto social.
Surgem modelos punitivos diferentes. Um articulado a infâmia, aos efeitos de opinião publica. Uma medida que dispensava a legislação, servindo como código penal; outro ao modelo de talião, impondo ao culpado o mesmo castigo e o terceiro modelo manifestava-se como a escravização em benefício da sociedade, graduada em intensidade e duração de acordo com o prejuízo.
A prática da prisão não implicava na Teoria Penal. Livingston (1820) diz que a pena de prisão tem a quadrupla vantagem de poder, divide-se em quantos forem os níveis de gravidade dos delitos: impede a reincidência, permite a correção, deve ser leve [,,,] “para que os jurados não hesitem em aplicar a punição e permitir com que o povo não se revolte contra a lei”. (p.35)
No intuito de compreender o funcionamento real da prisão o autor retorna há analise das instancias de controle parapenais onde a reclusão desempenha um papel que tem três características: no século XIX fundou o panoptismo, a torre de vigia que intervém na distribuição espacial dos indivíduos, como o encerramento temporário dos mendigos e vagabundos impedindo-os de circular nas cidades; sanciona um nível infra-penal a maneira da de viver dos sujeitos, modifica o tipo do discurso, projetos ou intenções politicas, comportamento sexuais, reação a autoridades, bravatas à opinião, violência, etc.. Intervindo menos em nome da lei que da ordem e regularidade.
O discurso está no biopoder moderno e a politica destacava que elementos como o irregular, o agitado, o perigoso e o infame devem ser objeto da reclusão. Assim podiam constatar que a penalidade pune a infração, enquanto a reclusão sanciona a desordem. Deste modo no século XVII e XVIII os pais de família, pessoas da comunidade solicitavam a “Lettres de cachets” contra indivíduos importunos, servindo esta medida como um controle local.
Na Inglaterra estas medidas eram incentivadas por dissidentes, que se propunham a denunciar, excluir, sancionar indivíduos por desvio de conduta, recusa de trabalho e desordens cotidianas. Na França ao contrário, o controle eram ligadas ao aparelho do Estado que organizou a 1ª Policia da Europa.
Michel Foucault constata-se que a manifestação da conduta ilegal se deve a falta de esclarecimento a população. Os trabalhadores ganhavam pouco, muito não tinham qualificação para trabalhar com as máquinas, eram vitimas constantes de crises, alvo fácil dos endividamentos, levando-os ao absentenísmo, a quebrar o contrato de trabalho, a migração e a vida irregular.
Para resolver este problema, fixar os operários ao aparelho de produção, criaram novos delitos. Neste sentido a carteira de trabalho passa a ser obrigatória, são elaboradas novas leis, identificando os lugares onde podiam ser vendidas e consumidas bebidas alcoólicas e proibiram as loterias. Deste modo inicia-se o adestramento social, incentiva-se a caderneta de poupança, o casamento e a formação das cidades operárias. Onde surgem os organismos de controle ou de pressão (associações filantrópicas, patronatos) numa verdadeira campanha que visava à organização e a moralização operária.
A penalidade 1760-1840 não liga a renovação da percepção moral. No tempo desaparecem os delitos religiosos e surge o econômico profissional. A penalidade do século XIX trata da historia dos corpos. A prisão substitui o suplicio, o corpo deve ser utilizado no trabalho - forma-salario do trabalho. A transformação da pena faz relações entre o poder politico e os corpos, o controle, a sujeição, o modo de como são dobrados, fixados e transformados. Era preciso escrever a física do poder sob uma nova ótica, tudo deveria ser visto transmitido, a organização de uma policia com um sistema de arquivos.
 A nova mecânica era capaz de isolar e agrupar, utilizando a força como controle, obtendo a disciplina de vida no tempo e das energias. Uma nova fisiologia define normas interventoras e corretoras. Assim no Panoptismo, a disciplina e a normalização caracterizam a investida do poder sobre os corpos no século XIX. Disso emerge o sujeito psicológico, suscetível de aprendizado, de formação e de adestramento, lugar eventual de desvios patológicos e de intervenções normalizadoras. Sendo o avesso do processo de sujeição.
Nesta física percebe-se que a prisão não corrige, instiga-os a fazer pressão sobre o ilegalismo de três maneiras: conduz a infração ao jogo de exclusão e de sanções parapenais – a indisciplina leva a guilhotina; integrando-os ao instrumentos do ilegalismo; canalizando as infrações dos delinquentes aos que podem controlar – porque pobre é mais fácil de ser roubado que rico.

Conclui-se que a intenção de punir nasceu com o homem e foi se aprimorando ao longo dos tempos, dando origem ao Direito Penal. A pena surgiu entre os primitivos, fruto do resultado da desobediência ao grupo, dando origem aos castigos, que aparecem como formas de vingança causada pela dor ao fato ocorrido até chegar ao enclausuramento. 
Percebe-se que estas formas de prisão não deram certo. Portanto torna-se necessário organizar novas propostas de inclusão social para estas pessoas na sociedade, de modo que tenha novas oportunidades e possam aprimorar-se como um ser humano de formas alternativas, interativas, inteligentes. Portanto, as críticas de que na prisão se constitui uma população de delinquentes é uma fatalidade e até hoje esta não conseguiu corrigir ninguém. Conclui-se que as penas e as formas de punição devem ser repensadas, analisadas de acordo com o contexto, para que estas pessoas ainda possam participar de forma saudável.

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